lundi, septembre 22, 2003
Só
Estava sozinho. E ainda não tinha reparado. Só. Mesmo só. A dançar a dança da vida, só, sozinho. Sem ninguém por perto, sem ninguém que me aconchegasse, que me dissesse isto ou aquilo, que me criticasse, a bem ou a mal.
Foi só, sozinho, que optei por aquilo que sou hoje. Mal ou bem. Mas, sempre sou alguma coisa, alguém. Não jogo futebol, nem ganho milhões, não concorri a nenhum concurso de televisão que me tornasse famoso, nem sou artista porno. Sou apenas eu. Para o mal e para o bem. Só eu. Não sou um completo inútil... ao menos sirvo de mau exemplo.
Mas, nem, sempre sou alguém. E depois?! Há por aí alguém que tenha alguma coisa a dizer? Não acredito que haja, pois, eu, não estive nunca num reality show! Ninguém me conhece, e ainda bem! Sou, simplesmente, anónimo, no meio de uma multidão. Não é agradável, mas a vida é a vida.
Até aprendi a rir. Às vezes rio brutalmente. Mesmo quando não estou contente, para afastar a infelicidade. Depois penso. Penso em quê? Em nada, talvez. Em tudo, talvez. Talvez.
Penso, sim. Penso sempre. Sempre, naquela viagem que quero fazer. Uma viagem que começa e nunca mais acaba. Que viagem? Sei lá.
Que viagem? A minha mãe? Poderá dizer-se que começou com a sua morte? O começo de uma coisa é o fim de outra que começou noutra. Viajo desde o ventre da minha mãe. Foi muito cedo, mas já era tarde demais.
A Viagem? Bem, entre os Valium e os Bloody Mary’s, só me lembro de chegar ao aeroporto e pegar nas malas. Sinto-me a fazer uma viagem dentro de um labirinto.
Perco-me. Estou perdido no meio de tantos pensamentos, que me vão ocorrendo ao longo dos anos.
Quantos anos? Já tenho de fazer as contas, por vezes. Trinta e... Quer dizer trintão? Penso em quando tinha vinte e olhava os de quarenta. Quantos homens célebres morreram aos trinta, aos quarenta? Parecia-me outrora que era uma idade bastante. Penso agora: como? Sou ainda tão novo... Não fiz ainda nada, e há tanto a fazer!
Mas. Não me resta desejo algum. Não me resta amor algum. Nada. No entanto, o tempo é o melhor conselheiro.
Que horas são? A noite desceu devagar, entrou-me dentro de casa, a minha mão anoitece. Anoitecem os meus olhos, ò Deus, tão cansados. É uma hora solene, escrevo, escrevo. Escrevo sempre, mesmo quando nada tenho para escrever.
Noite plácida e grande.
Inspiração. Vem-me do espaço vazio, do silêncio eterno, da grande lua que vai subir no horizonte. Mas vem-me! Virá?
E penso. E lembro. É evidente que os mortos me lembram – eu disse que me não lembravam?. Lembram, mãe. Só não quero que fales. Faz apenas o que costumas fazer. Seduzir todos os que estão à tua volta. Nada mais. Faz-me viver de pequenos grandes encantos. Sempre tive curiosidade em saber quem iria ao meu enterro. A emoção, os sentimentos, as lágrimas. De tristeza e felicidade, de saudade e de inquietação. Até ao fim do mundo, onde se acabam todas as preocupações.
Quando a noite, como um vento, me devasta de terror, quando o silêncio é tão profundo que me oiço ser, lembro-me, sempre. E então é preciso uma coragem brutal para me não matar. A vida é tão adversa ao bem-estar, tão sinuosa, tão infeliz, que, cada vez mais, acredito que a morte não é o fim mas o princípio de qualquer uma outra coisa que desconheço. Descansa, não me matarei. Por enquanto, não. Tenho de ficar, nem que seja apenas para esclarecer as coisas.
De vez em quando grito para me ouvir, para me não esquecer de que estou aqui. Mas é terrível. Alguma coisa em mim, sem que eu saiba, está à espera de que lhe responda e fica assustada porque ninguém responde. Não domino nada. Conheço apenas a minha fatalidade. Nada mais.
A explicação do que sou, do que faço e vivo, é tão ridícula. No fim de contas, apenas constato. Sei o quê? Não sei nada. Vou aprendendo.
E no entanto aí, ainda e sempre. Ah, sim? Mas como? Não vivo com ninguém. Estou só. Na solidão absoluta. Que fiz eu da esperança?
Ando com a cabeça completamente perdida. Mas quero voltar a colar todos os cacos da minha vida.
Preciso de matar a memória, por agora. Não quero chorar, arre, já disse!
Deus me perdoe se estou em falta, mas doutro modo não consigo ser eu. Estou ainda onde me deixaram porque não tive razões para mudar. Saudade.
Saudade é solidão acompanhada É amar um passado que ainda não passou. Sentir que existe o que não existe mais.
Merda!
Não quero nada. A única conclusão é morrer, já dizia Pessoa. Lá por ser um sonho não quer dizer que nunca venha a acontecer. Que mal fiz eu? O meu primeiro instinto é ficar calado, mas não consigo. Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. Assim, como sou, tenham paciência! Meu Deus, dai-me paciência... mas tem que ser já! E, repetindo Pessoa, claro! Que outro podia ser?
Já, não. Não pode ser. Tenho uma entrevista. Vou entrevistar alguém. Arranco do bloco de notas, puxo da caneta e escrevo. Aquilo perturbou o meu entrevistado, que deixou de falar. Eu, porém, escrevo ainda, escrevo sempre. Possivelmente coisas que ele não disse. Por vezes escrevo como quem cumpre um horário. Talvez escreva à família. Mas escrevo, continuo a escrever. Todos os dias nascem palavras, todos os dias morrem palavras. O homem escandaliza-se. E depois? Nasci para escandalizar. É o único modo de se estar vivo. E continuo a escrever. Escrevo.
CC
abcd2003@tiscali.fr
P.S. - com uma ajudinha do Pessoa.
Foi só, sozinho, que optei por aquilo que sou hoje. Mal ou bem. Mas, sempre sou alguma coisa, alguém. Não jogo futebol, nem ganho milhões, não concorri a nenhum concurso de televisão que me tornasse famoso, nem sou artista porno. Sou apenas eu. Para o mal e para o bem. Só eu. Não sou um completo inútil... ao menos sirvo de mau exemplo.
Mas, nem, sempre sou alguém. E depois?! Há por aí alguém que tenha alguma coisa a dizer? Não acredito que haja, pois, eu, não estive nunca num reality show! Ninguém me conhece, e ainda bem! Sou, simplesmente, anónimo, no meio de uma multidão. Não é agradável, mas a vida é a vida.
Até aprendi a rir. Às vezes rio brutalmente. Mesmo quando não estou contente, para afastar a infelicidade. Depois penso. Penso em quê? Em nada, talvez. Em tudo, talvez. Talvez.
Penso, sim. Penso sempre. Sempre, naquela viagem que quero fazer. Uma viagem que começa e nunca mais acaba. Que viagem? Sei lá.
Que viagem? A minha mãe? Poderá dizer-se que começou com a sua morte? O começo de uma coisa é o fim de outra que começou noutra. Viajo desde o ventre da minha mãe. Foi muito cedo, mas já era tarde demais.
A Viagem? Bem, entre os Valium e os Bloody Mary’s, só me lembro de chegar ao aeroporto e pegar nas malas. Sinto-me a fazer uma viagem dentro de um labirinto.
Perco-me. Estou perdido no meio de tantos pensamentos, que me vão ocorrendo ao longo dos anos.
Quantos anos? Já tenho de fazer as contas, por vezes. Trinta e... Quer dizer trintão? Penso em quando tinha vinte e olhava os de quarenta. Quantos homens célebres morreram aos trinta, aos quarenta? Parecia-me outrora que era uma idade bastante. Penso agora: como? Sou ainda tão novo... Não fiz ainda nada, e há tanto a fazer!
Mas. Não me resta desejo algum. Não me resta amor algum. Nada. No entanto, o tempo é o melhor conselheiro.
Que horas são? A noite desceu devagar, entrou-me dentro de casa, a minha mão anoitece. Anoitecem os meus olhos, ò Deus, tão cansados. É uma hora solene, escrevo, escrevo. Escrevo sempre, mesmo quando nada tenho para escrever.
Noite plácida e grande.
Inspiração. Vem-me do espaço vazio, do silêncio eterno, da grande lua que vai subir no horizonte. Mas vem-me! Virá?
E penso. E lembro. É evidente que os mortos me lembram – eu disse que me não lembravam?. Lembram, mãe. Só não quero que fales. Faz apenas o que costumas fazer. Seduzir todos os que estão à tua volta. Nada mais. Faz-me viver de pequenos grandes encantos. Sempre tive curiosidade em saber quem iria ao meu enterro. A emoção, os sentimentos, as lágrimas. De tristeza e felicidade, de saudade e de inquietação. Até ao fim do mundo, onde se acabam todas as preocupações.
Quando a noite, como um vento, me devasta de terror, quando o silêncio é tão profundo que me oiço ser, lembro-me, sempre. E então é preciso uma coragem brutal para me não matar. A vida é tão adversa ao bem-estar, tão sinuosa, tão infeliz, que, cada vez mais, acredito que a morte não é o fim mas o princípio de qualquer uma outra coisa que desconheço. Descansa, não me matarei. Por enquanto, não. Tenho de ficar, nem que seja apenas para esclarecer as coisas.
De vez em quando grito para me ouvir, para me não esquecer de que estou aqui. Mas é terrível. Alguma coisa em mim, sem que eu saiba, está à espera de que lhe responda e fica assustada porque ninguém responde. Não domino nada. Conheço apenas a minha fatalidade. Nada mais.
A explicação do que sou, do que faço e vivo, é tão ridícula. No fim de contas, apenas constato. Sei o quê? Não sei nada. Vou aprendendo.
E no entanto aí, ainda e sempre. Ah, sim? Mas como? Não vivo com ninguém. Estou só. Na solidão absoluta. Que fiz eu da esperança?
Ando com a cabeça completamente perdida. Mas quero voltar a colar todos os cacos da minha vida.
Preciso de matar a memória, por agora. Não quero chorar, arre, já disse!
Deus me perdoe se estou em falta, mas doutro modo não consigo ser eu. Estou ainda onde me deixaram porque não tive razões para mudar. Saudade.
Saudade é solidão acompanhada É amar um passado que ainda não passou. Sentir que existe o que não existe mais.
Merda!
Não quero nada. A única conclusão é morrer, já dizia Pessoa. Lá por ser um sonho não quer dizer que nunca venha a acontecer. Que mal fiz eu? O meu primeiro instinto é ficar calado, mas não consigo. Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. Assim, como sou, tenham paciência! Meu Deus, dai-me paciência... mas tem que ser já! E, repetindo Pessoa, claro! Que outro podia ser?
Já, não. Não pode ser. Tenho uma entrevista. Vou entrevistar alguém. Arranco do bloco de notas, puxo da caneta e escrevo. Aquilo perturbou o meu entrevistado, que deixou de falar. Eu, porém, escrevo ainda, escrevo sempre. Possivelmente coisas que ele não disse. Por vezes escrevo como quem cumpre um horário. Talvez escreva à família. Mas escrevo, continuo a escrever. Todos os dias nascem palavras, todos os dias morrem palavras. O homem escandaliza-se. E depois? Nasci para escandalizar. É o único modo de se estar vivo. E continuo a escrever. Escrevo.
CC
abcd2003@tiscali.fr
P.S. - com uma ajudinha do Pessoa.