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vendredi, septembre 19, 2003

Mãe... 

Foi há 57 anos que tudo começou. Eras para ser Fátima. Mas as ideias, tal como a vida, dão muitas curvas e contra-curvas. E ficaste Elvira. E com o nome de dois bichos que tanta confusão te fizeram em pequena: Cordeiro e Coelho.
Foi há muito tempo que tudo começou. Mas foi também há muito tempo que acabou (pelo menos por aqui). Há 24 anos. O tempo de vida de um adolescente, como o Luís. Não tiveste tempo de acabar aquilo a que te propuseste.
Tinhas 37 anos, mais um do que eu tenho agora. Cada vez percebo melhor como foi curta a tua vida terrestre.
Hoje farias anos. Lembras-te? Mas não há bolo, nem velas, nem canção. Não há nada, porque não «hás» tu!
Que saudades. Saudades de me lembrar daquilo que me lembrava de ti. Um sorriso, uma repreensão, um sim, um não. O cheiro, as expressões... Que saudades! E tudo isso, às vezes, não passa de uma recordação com muita névoa, por onde é preciso espreitar com muita atenção. Eu tinha apenas 12 anos, e o Luís 5, lembras-te?
Aí onde estás também festejas o dia de aniversário? Qual é?
Os sonhos matinais desaparecem rapidamente. Com a vida pode acontecer o mesmo. E foi assim que aconteceu contigo. Desapareceste depressa de mais. Sem aviso prévio. Fiquei desolado e confuso.
Na minha alma há um canto meu, infernalmente recordado, dorido, de uma noite que chegou sem avisar.
Mas não vale a pena voltar ao passado, pois o tempo não volta atrás! Esconde-se atrás do lado escuro da Lua. No entanto, não consigo esquecer. Nem ficar calado. Por vezes falo demais. Mas como calar-me com tantas palavras? Não consigo. Gosto de vomitar tudo o que penso e sinto. Não fujo às marés-baixas. Apanho todas as ondas do mundo.
No entanto, fiquei com um nó na garganta, pus-me a imaginar as lágrimas que não me vinham aos olhos.
Como (ainda tiveste tempo) me ensinaste, continuo a acreditar na magia dos meus sonhos. Porque nesse mundo nada pode entrar e destruir, seja o que for.
Mãe, que saudades. Tuas e da minha infância, que saudades da noção de tempo ilimitado. De tudo poder ler, ver, ouvir, fazer o que nos dá na real gana.
Mas, a verdade é que a vida é dura, a terra é teimosa e a ciência rica em conhecimentos, mas pobre em resultados práticos (tu que o digas!).
Viveste pouco. E não tiveste uma vida muito feliz. O meu pai também não ajudou. A propósito, uma piada, daquelas que costumava-mos contar quando estávamos sozinhos em casa: Hemingway assegurava que «um homem não existe até estar bêbado». Antes como depois da tua partida, o pai tem existido todos os dias.
Sabes, descobri que a única coisa de que se precisa para ser feliz é de tempo. Muito tempo (aquele que não tiveste). A felicidade é, ao fim ao cabo, uma questão de longa paciência. Realmente, paciência foi coisa que nunca te faltou. O problema foi o tempo.
Sabes, tenho quase a idade que tinhas quando partiste. À medida que envelheço, cada vez mais me convenço mais, que talvez aquilo que consideramos como o passar o tempo, apenas acontece porque contraímos o hábito terrivelmente enraizado em nós de contar as coisas - os dedos de um recém-nascido, o nascer e o regresso do Sol... - pensamos tantas vezes em quantos dias têm de passar, ou quantas estações, antes que o nosso filho cresça novamente e nasça, ou se dê um encontro há muito desejado, e os registamos pelo decorrer do ano e do Sol.
Sei, e percebo, que não podes voltar de novo à vida, não podias voltar a lutar e a sofrer e a conviver com o ódio daqueles que um dia te amaram. Mas, quem me dera que estivesses aqui, apesar de saber que ilusões, só fabricadas!
Por um bom par de anos, a família até foi feliz. Não fosse a vida a merda que é e teríamos sido felizes para sempre.
Quem me dera que estivesses aqui, com esses teus cabelos castanhos, esses olhos dóceis e um sorriso que punha todas as pessoas à vontade. Mas não pode ser.
Penso que estejas no Céu. Num sítio onde me podes ver. Por vezes, chego a acreditar que estás aqui, ao meu lado, como se fosses o meu Anjo da Guarda.
Fica sabendo de uma coisa: nunca te deixarei fugir. Ficaste-me no coração!
Saudades! Até pode ser um sonho, há muito sonhado, e sempre repetido. Mas, não te vou deixar fugir.
Estou sempre à tua espera. E quando não posso esperar mais, sonho, sonhos acordados ou dormidos.
Sabes, nestes 24 anos (ao tempo que não nos vemos...) muita coisa mudou.
Lembro-te sempre! Com saudade!
Quando é que morrem os mortos? Quando nos esquecemos deles! Nunca hás-de ser esquecida. Mãe!
CC
abcd2003@tiscali.fr

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Autor: Gustavo Aleixo Weblog Commenting by HaloScan.com
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