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mercredi, septembre 17, 2003

Ambiguidades 

Já agora, porque não? Escrever? Sim, sempre. Sempre que possa, escrever algo. Porque não?! Mas, escrever o quê? Sobre quê? Sobre quem? Quando e porquê? Falta-me. Falta-me o tema, a coisa, o quê. O porquê. Porque o quando, é sempre.
Mas escrever quando, não é sempre. Às vezes, talvez. Hoje, parece-me que não. Não. Não o quê? Escrever o quê, sobre o quê, sobre quando? Sobre nada, que não me resta nada. Nada, nesta mente cansada de cansaço, a precisar de descansar.
Nada, desta inspiração que não inspira. Ou tudo. Tudo do que me lembre. Tudo por que passei, tudo. Mas esse tudo é demais. É demasiado tudo, demasiado doloroso.
Demasiado para se escrever. Pelo menos hoje, pelo menos agora, que estou cansado. Cansado e dorido, sofrido. Talvez amanhã. Talvez. Pode ser e não ser. Porque não?
Estava aqui a pensar, sem pensar em nada. A pensar em quê? Logo eu. A pensar. Em quê, sobre quê? Quando? O quê? A pensar. Olha, que coisa, logo eu, a pensar.
Eu? Quando? O quê? Como? O quê? Onde? A pensar? Eu? Pressuposto. Presunção? A pensar? Agora já penso, eu? Eu? Olha! A pensar. Logo eu. Logo hoje. Logo agora! A pensar. Dou-me a esse luxo? Ainda me posso dar? Logo eu, vejam só, a pensar. Eu. A minha simples pessoa. Para que raio vou eu pensar? Para quê? Divagar, talvez.
Devagar, calma, não penses tanto. Não faz falta, nem a ti, nem aos outros. O essencial é não pensar. Calar. Cala-te! Sossega. Está sossegado!
A pensar. Falar. Falar de quê? Sobre quê? De quem? Cala-te! Sossega.
Dorme. Deixa os teus pensamentos adormecidos, adormece, é tarde. Não são horas de se dizer o que se sente, o que se pensa. Agora não. Olha só, tu a pensares, agora, a esta hora, logo agora. Descansa. Cala-te. Dorme. Adormece esses pensamentos, acalma-te.
Mas penso. Em quê? Porquê? Quando agora? Sim, talvez. Pode ser e pode não ser. Penso.
Assusto-me. Não foi nada. Estou sozinho, claro. Sozinho. É fácil de dizer. Tem de ser fácil. Mas poderá ter-se a certeza?
Não foi nada. Foi. Batem-me à porta. Agora, quem? Sem perguntar a mim mesmo. Sem pensar. Julgamos estar apenas a descansar, para depois agirmos melhor, ou sem ideias feitas, mas passado pouco tempo vemo-nos impossibilitados de fazer seja o que for.
Voltam a bater. Levanto-me e assomo-me à porta.
É a Sofia. Que raio!
- Como descobriste a minha nova morada? -, perguntei-lhe.
- Disse-me a tua mãe onde te encontrar -, respondeu-me ela, com um sorriso.
- E? Que queres?
- Agora que resolvi os teus assuntos, talvez queiras resolver tu os meus. Só quero devolver-te o poder que tinhas sobre mim. Por isso te procurei até te achar.
- Não tenho respostas para te dar. Nada para te dizer. Mesmo que não deixe passar um dia sem que me pergunte o que foi que nos aconteceu, não me importa mais tudo o que digas; de qualquer modo, na realidade, nunca o conseguirei compreender.
- Não paras de chorar pelos cantos desde a nossa separação. Segundo a tua mãe, se não sais para te embebedar, ficas os dias inteiros fechado em casa a escrever.
- Enganaram-te, claro. Mas isso é toda uma outra história.
- Sim?!
- É muito mais fácil mentir com as palavras do que com as imagens. E tu? Continuas a pintar?
- Isso é uma provocação? É para me castigares do meu silêncio dos últimos meses?
- Não, por amor de Deus. O teu silêncio até me tem sido útil. Estou bem assim. Penso e escrevo. Reencontro-me. E se me embebedo nos tempos livres... É um modo de preencher o tempo livre. Não posso estar sempre metido em casa. Por outro lado, ajuda-me a derrubar determinados obstáculos para que continue a escrever.
- Continuas na mesma. Lembras-te? Todos os dias me contavas uma mentira diferente...
- Hoje não te estou a mentir. Estou bem como estou. E quero continuar sozinho. Preciso de tempo. Escrever? Sim, sempre. Sempre que possa, escrever algo. Porque não?! Até tenho tema! Sobre quê? Sobre tudo! Tudo do que me lembre. Tudo por que passei, tudo. O demasiado para se escrever. Deixa-me. Sai pela mesma porta por onde entraste. Estou bem assim, sozinho. Nunca pensei que pudesse levar tanto tempo a chegar a outro sítio. Agora que aqui cheguei, é aqui que quero ficar. Sozinho.
- Tens alguém? – Perguntou ela. Depois pediu um copo de água e sentou-se.
- Talvez. Alguém com o agradável sabor da novidade, que vai contra as ideias feitas. É muito mais divertido estar com alguém que dê corda aos nossos neurónios -, aproveitei eu para uns toques de provocação.
- Faz como quiseres. Quero lá saber – disse ela, em tom de derrota. Se queres vir comigo vem, senão fica de vez -, mas nem esperou por uma resposta. Voltou-se e bateu com a porta.
Saiu. Com passos ligeiros e metódicos. O bater da porta fez-me pensar. Nada. Eu não sou nada, sem amor. Mas tenho sido mais. Os tempos que correm estão cheios de ambiguidades.
Comecei a recordar os nossos primeiros tempos. Mas, as minhas falsas recordações não passam de recordações incompletas. Tentei esquecer. Deixa passar o tempo, pensei. Deixa o tempo suspenso, e espera pelo tempo que se segue. São falsas recordações. Nada mais do que isso. Nada mais.
Passou mais um dia. Amanhã virá outro. Mas que interesse tem isso para mim? Como de costume, nenhum. Pressuponho. Por agora, limito-me a pensar, ou a tentar vaguear pelo vazio. Amanhã sim. Amanhã resolvo os meus amuos comigo. Amanhã, de uma vez por todas, ouço tudo o que tenho para dizer-me.
Algumas coisas nunca mudam.
Oscilo entre o sentido trágico e a euforia, a utopia. Não, não. Nesses momentos sou outra pessoa. Sinto-me num outro estado de consciência. O que é certo é que embarquei num estado de certa embriaguez, ou de loucura, o que não quer dizer que não haja um controle posterior. Que a maturidade e a experiência também forjam.
Liguei o rádio. Desligo-o. O imediato da emoção deixa-me represo, ao ponto de haver músicas que não consigo ouvir. Vêem-me as lágrimas aos olhos, não aguento. Certas melodias servem de chave psicológica. Esqueço as palavras mas não a música.
Pego num livro. Vou ler. Quanto mais leio mais pessoas conheço. Fecho o livro. Não me apetece nada, que não me resta nada. Nada, nesta mente cansada de cansaço, a precisar de descansar.
Volto a pensar nela. Deixou-me na memória da sombra, num tom escuro que perpassa por todo o meu corpo. Só existo eu, eu que não sou, aqui onde estou. Não é altura de falar nisso. Bom. É altura de falar de quê? De mim, finalmente. Mas prossigamos com ordem. Vou fazer o possível, como sempre, já que não posso fazer outra coisa.
Volto atrás, tenho de voltar atrás, não saí daqui, passei o tempo a contar histórias a mim mesmo, quase sem as ouvir, ouvindo outra coisa, à espera de outra coisa. Nunca pensei que pudesse levar tanto tempo a chegar a outro sítio. Agora que aqui cheguei, sei que nunca saí daqui.
Olho para janela. Ainda há luz lá fora. Abri a porta e saí para a rua. Apanhar um pouco de sol, como que se a fugir da sombra para a luz entrar na minha mente.

CC
abcd2003@tiscali.fr

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Autor: Gustavo Aleixo Weblog Commenting by HaloScan.com
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